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O Mendigo do Campo de Santana

O Mendigo do Campo de Santana

Seu nome é a única coisa que o liga, mesmo que de forma quase invisível à sociedade que passa diante dos seus olhos enquanto fica sentado na calçada mendigando por comida ou dinheiro. Já o seu sobrenome foi esquecido há muito tempo. Não serve para nada. Não foi capaz de manter os laços com a família. Uma família que não aguentava mais as bebedeiras diárias, a falta de emprego e a violência contra a esposa e filhos. E assim o expulsaram de casa. Não conseguia manter um emprego por mais de um mês, o vicio na bebida o mantinha cada dia mais sujo e agressivo.

Então tornou-se mendigo e foi a única saída que encontrou. Vagando pelas ruas da cidade fixou residência no Largo de Santana. Vivia de esmola e da caridade alheia. Quando não conseguia por bem, tomava na força. Seus pequenos furtos o levaram algumas vezes à prisão. Lá tinha um teto e comida fácil. Muitas vezes a comida era estragada e vinha com baratas e moscas, mas na rua também era assim. Revirava o lixo na luta para fazer míseras três ou quatro refeições por dia. Na maioria das vezes mal conseguia fazer uma.

Em mais uma tarde chuvosa e fria de agosto ele foi solto. Saiu da delegacia vagando desnorteado, mas com um só intuito: voltar a perambular pelos arredores do Campo de Santana no centro do Rio de Janeiro. O parque foi fundado em 1880 e tem ruas internas é todo arborizado e nele moram vários animais que vivem soltos.

Sem pressa o mendigo caminhava em direção ao centro da cidade. A paisagem das ruas não mudava, bem como seus personagens: prostitutas, menores abandonados, gatunos, traficantes de drogas e estelionatários. Na selva de pedra, essa era a sua fauna e seus perigos.

Escurecia e a noite não perdoa os despreparados, os amadores e principalmente os curiosos. Na região do Campo de Santana não tem espaço para quem já não está calejado com as cicatrizes da rua. O local é ponto de prostituição e venda de drogas. Nos seus arredores é possível encontrar mulheres, travestis e o que mais sua fé conseguir fazer você acreditar para te manter lúcido. Ali se negocia o corpo, e o que entra pelo seu nariz para entorpecer sua mente e talvez vender a sua alma por qualquer trocado.

Ao longe ele observava algumas pessoas que satisfaziam seus apetites sexuais de todas as formas imagináveis. Havia também as que faziam a renda diária de outras tantas. Sem ser visto ele pulou as grades para entrar no parque.

Enquanto procurava por abrigo do sereno e do frio, seu estomago dava sinais que precisava de algo mais além do calor. Nas ruas não havia mais cidadãos que pudessem ajudá-lo. No entorno da praça, somente pessoas tão ou mais perigosas do que ele. E assim como ele, também lutavam pela sobrevivência.

Pelo parque havia diversos pequenos animais: gatos, gansos, patos, pavão, cotias e micos. A fome apertava a cada minuto. O frio cortava a cara como uma navalha bem afiada. E não haveria outra saída senão tentar caçar um desses animais.

Os gatos eram ariscos e também o pouco de humanidade que ainda habitava aquele ser o impedia de comer um gato, já que via como um animalzinho de estimação, um companheiro e geralmente dócil. Um ganso o mordeu ao se defender. As cotias e os micos ele teve medo de pegar. Nunca havia escutado falar de alguém que tenha comido esses bichos.

Mas também havia alguns pavões. Ah sim, o exuberante, azulado e lindo pavão. O gosto deve ser muito parecido com o de galinha, pensou ele. E parou por alguns segundos para contemplar o andar gracioso daquela ave. Ficou observando o bicho e momentos depois o capturou.

Como um predador arisco e voraz agarrou o animal e torceu o pescoço do bicho até que parasse de se mexer. Tirou as penas e lavou o corpo do bicho com cachaça. Acendeu um fogo com restos de lixo: papelão, papel e alguns panfletos. Logo depois que o fogo já estava crepitando e bem quente começou a assar um pedaço do pavão.

Ficou ali agachado na frente da fogueira observando a carne da ave ganhar cor. Assar e exalar um aroma de frango. Mas ele não teve se quer tempo de ensaiar a primeira mordida em um pedaço da carne. O mendigo caiu tonto no chão e com a cabeça esvaindo em sangue. Ele fora atacado por trás e sem tempo para se defender.

A sua volta apenas vultos o cercava. Percebeu que havia por volta de quatro ou cinco deles ao seu redor. Estava tonto demais para uma reação. E escuro demais para distinguir as silhuetas, que se mexiam de um lado para o outro. Algumas das vozes riam e outras carregavam ódio não só em suas palavras, mas no tom e apreciam que exalava crueldade.

Ouviu uma voz estridente ao fundo gritar:
– Você é louco? Acha que pode entrar aqui e matar nosso bicho? Você não vai sair dessa vivo!

– Mas os bichos são do parque e não de vocês. Respondeu o mendigo sem ao menos conseguir raciocinar quem estaria tomando para si as dores do animal morto.

– Não interessa. LIXO! Você vai morrer! E é bom aprender: A vida é cruel!

O mendigo levantou-se rapidamente e tentou correr. Saiu tropeçando nas próprias pernas. Não fazia ideia para qual direção ir. Estava escuro demais e mesmo que ainda visse as luzes dos carros que trafegavam na Avenida Presidente Vargas, ela parecia muito longe. E os poucos metros que andou não serviram para nada, rapidamente foi imobilizado por mais duas pessoas, que o jogaram longe. O mendigo caiu de cara no chão. Agora não conseguia respirar direito, sabia que o seu nariz tinha sido quebrado. O gosto de sangue descia por sua garganta. Sentia os dentes da frente mole e quando tentou falar alguma coisa, o acertaram com um chute na boca. E foi tão forte que engoliu alguns dos dentes.

Ele foi chutado como uma bola de futebol. Rastejou para o centro do parque. Ali havia alguns bancos e postes de luz. Já foi um local onde os casais namoravam e faziam suas juras de amor. Mas a violência da metrópole afastou os casais e o parque ficava trancado para o público depois das sete da noite.

E aos poucos ele chegou a um local iluminado. O nariz sangrando, a cabeça latejando de dor, sem dúvida ainda havia muitas outras partes do seu corpo que estariam quebradas. Ele não fazia ideia de como ainda estava consciente. Virou-se para cima tentou levantar e só quando um pouco da luz avançou sobre seus algozes é que o mendigo percebeu que se tratava de travestis.

Um grupo maior do que ele imaginava o cercou novamente. Com suas roupas curtas, seios industrializados e maquiagem pesada aliada a iluminação do local e toda a situação pela qual o mendigo passava fez a cena mais horripilante ainda. O grupo de travestis tinha sangue e ódio nos olhos. Elas riam e andavam freneticamente de um lado para o outro. A violência dos chutes, socos e pauladas vinham de todas as partes.

Sem dar tempo para que o mendigo se defendesse o grupo partiu para cima do morador de rua, que foi espancado ainda mais e teve suas roupas velhas rasgadas. Os trapos serviram de corda. Amarram as mãos do mendigo, que ainda estava lúcido e respirava. Apesar das várias contusões e ossos quebrados.

Arrastaram o mendigo até as grades que cercavam o parque. Eram lanças pontiagudas de ferro com mais de 1.60 m de comprimento. Os travestis acharam uma das barras soltas, que eles usavam para entrar rapidamente no parque.

Cerca de quatro travestis suspenderam o mendigo e o empalaram. Introduziram a lança pelo rabo do pobre desgraçado, perfurando seus órgãos até sair pela boca. E encostaram a lança na grade. Amarram os braços e o tórax do mendigo nas grades para que ele não escorregasse.

Como essa cena medieval, o grupo de Travestis deixou um bilhete escrito com batom que dizia:

“Morreu pela boca! Esse nunca mais pensará em mexer com nossos bichinhos.”
T.

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